segunda-feira, 16 de março de 2015

Dissecando a transmissão da Globo



Quando fiz faculdade de jornalismo, lá no início dos anos 2000, uma das discussões mais quentes era sobre o tema Jornalismo x Entretenimento. Acredito que hoje, essa seja uma questão superada: praticamente todos os programas jornalísticos fazem essa mescla. Pessoalmente não acho que seja um problema desde que: 1) o jornalismo seja exercido com seriedade e respeito ao espectador e; 2) o entretenimento oferecido seja, no mínimo, interessante.

Infelizmente não é o que acontece na Globo. O jornalismo apresentado pela emissora, na maioria dos casos, é tendencioso, pachequista, de péssima qualidade. E o entretenimento, ao invés de agregar, torna tudo mais patético, já que a emissora insiste em tratar o seu público como crianças de 5 anos de idade. E foi esse formato que chegou à transmissão da Fórmula 1, no ultimo domingo, quando foi disputado o GP da Austrália.

Com muita pompa, a emissora divulgou que começaria a transmissão da prova 40 minutos antes da largada. Tempo razoável para que fossem debatidos temas quentes da categoria, como o acidente de Alonso, a disputa Sauber x Giedo Van der Garde, o resultado dos testes, e por aí vai. Mas nada disso foi pauta, aliás, sequer houve uma pauta. Claramente sem saber como conduzir tudo aquilo, Galvão Bueno deu início à palhaçada apresentando seus convidados.

Primeiro, Luciano Burti. Uma brincadeira, provalvelmente piada interna, sobre as batidas do piloto, e nada mais. Depois, Reginaldo Leme, com 35 anos de transmissões nas costas, lembrou Galvão. Vamos em frente, o próximo, Marcelo Anthony, ator da Globo, apresentado como aquele que fez o papel de um piloto em uma novela. Ok. Depois, Thiago Rodrigues, também ator, que explicou de maneira frágil sua paixão por automobilismo: “sou daqueles que fica acordado de madrugada para assistir às corridas”, disse. Para a Globo, parece suficiente.

Entramos na área esportiva, com Giba, ex-jogador de vôlei. Sua relação com o automobilismo? “Parei de ver F1 quando Senna morreu”, uma frase que 10 entre 10 apaixonados por corridas, como nós, já ouviram. Chegamos então a Bia Figueiredo, ufa, alguém do automobilismo, a única, que conseguiu falar algo minimamente relevante sobre a prova, ao analisar a surpresa como desempenho da Sauber. E, por fim, Raul Boesel, apresentado como ex-piloto de F1 e Stock Car, que também correu na “principal categoria do automobilismo Americano”, disse Galvão. Certamente, se falasse Fórmula Indy, todos os espectadores sintonizariam a Band, tirando toda a audiência da Globo.

Mas Boesel não estava lá como piloto e sim como DJ. Falou sobre seu gosto por música e quando teve a chance de falar de automobilismo, ensaiou contar sobre sua estréia na F1, em meio a greve de pilotos de 1982, mas foi devidamente cortado por Galvão. No lugar disso, vimos uma matéria com Felipe Nasr na fábrica da Sauber, que certamente seria muito interessante se não tivesse sido editada para durar menos de um minuto.

E foram assim os 40 minutos antes da transmissão, amenidades e música eletrônica rolando no estúdio. Enquanto isso, na pista, Magnussen e Kvyat abandonavam a corrida na volta de instalação.

A transmissão seguiu no mesmo ritmo que já nos acostumamos. Galvão não narra mais a corrida, apenas fala sobre os fatos que estão acontecendo. Luciano Burti, em determinado momento, sugeriu que Jenson Button deveria deixar Sérgio Perez passar, ao invés de brigar pela posição. Reginaldo Leme, coitado, é cortado cada vez que tenta passar alguma informação importante. Fomos brindados, também, com telas divididas entre estúdio e pista, para a participação brilhante dos convidados. Anthony, ou pode ter sido Rodrigues, não me lembro, foi chamado para responder sobre MMA (!). Boesel, em determinado momento, foi solicitado por Galvão mas parecia, sinceramente, estar dormindo. “Ele estava prestando a atenção na música”, justificou Figueiredo, tentando defender o colega. Quando pegou no tranco, Raul lançou qualquer coisa sobre o desempenho de Nars, mas a resposta nada tinha a ver com a pergunta feita por Galvão.

Não sei se esse formato irá permanecer, mas espero que sim. Pode ser uma maneira interessante de convencer as pessoas de que é um péssimo negócio a F1 continuar sendo transmitida pela Globo. O Sportv, mesmo contando com o chatíssimo Lito Calvalcanti, é capaz de oferecer uma transmissão, pelo menos, mais sóbria e enxuta, focada na corrida e no ambiente da F1. Já era a minha torcida. Depois do que vi domingo, é quase a minha obssessão.

6 comentários:

Anônimo disse...

Mandou bem nessa coluna. Ótima a alusão sobre o fato de que se falar o nome "Indy", acaba a audiência em 0.8 décimos de segundo!

Ainda falam RBR e STR ? Porque no campeonato paulista tem um time que chama RB Brasil, não é?

Bom, eu já não assisto pela Globo desde 2012, não suporto mais e felizmente não é difícil puxar em alta qualidade a transmissão da Inglaterra. Mas é incrivelmente lamentável que a F1 no Brasil esteja nas mãos de uma TV que prioriza apenas uma coisa: ela mesma e seus produtos auto-fabricados.

Siga na luta!

Fábio Campos

Bruno Aleixo disse...

Meu velho amigo Fábio Campos, que honra você aparecendo por aqui!

De fato, a F1 no Brasil é tratada como produto, assim como todas as modalidades esportivas. Infelizmente, a forma usada pela Globo para vender o produto é que é triste. Torço muito para que a categoria vá para a TV fechada, acredito que só fará bem.

Olha, acho que que até eles estão confusos com o negócio de RBR, pq as vezes deixam escapar RedBull. Mas nem tente conferir pessoalmente. Não vale a pena.

Murilo Faria disse...

Belo texto Bruno, parabéns!
Mas cara, F1 tá morrendo, tá ridículo de assistir, esse formato não se sustenta mais, é preciso rever tudo, e tentar copiar outras categorias em que a disputa é o que mais vale, e não o desenvolvimento de carros, como a Indy, se a F1 seguissse esse formato, tirando os circuitos ovais, seria um sucesso com certeza.

Bruno Aleixo disse...

Murilo, não sei se seria necessário chegar ao nível da Indy, categoria que adoro, mas que tem outra proposta. Mas, certamente, é urgente que a F1 reveja o papel dos pilotos, dando mais ênfase a eles do que às equipes.

Da maneira como está, é previsível e o show totalmente artificial.

Luís Fernando Ramos Santos disse...

Grande Fábio Campos!

Bruno, você tirou as palavras da minha boca viu... Que circo pífeo que a Globo armou para a transmissão!
E teve um detalhe: quando o Galvão pediu ao Raul Boesel pra tocar "we are the champions"do Queen, ele colocou uma música do Elton John!

Só acho que, infelizmente, ainda existem pessoas que dependem de TVs abertas para assistirem um evento esportivo.

Abraço!

Luís Fernando Ramos Santos

Bruno Aleixo disse...

Luis,cada vez que alguém comenta este post, aqui ou no Facebook, eu lembro de um detalhe que poderia ter explorado no texto. Primeiro me lembraram das imagens da família do Nars e agora você me lembra dessa da música, que foi engraçadíssima! Aliás, o Raul estava claramente se lascando pro programa, o que fez muito bem!