segunda-feira, 13 de abril de 2015

A arte da narração

Estava eu tentando me manter acordado diante da TV, para não perder o final do GP da China, quando recebo uma mensagem do meu amigo Luis Fernando Ramos: “É como você disse: os caras não narram a corrida, ficam batendo papo”. É verdade, eu disse isso mesmo. Mas como a Globo escalou Cléber Machado para narrar a corrida chinesa, confesso que só esse consolo me fez não dar tanta atenção para este problema, já que acho Cléber o melhor narrador da emissora.

Mas, na F1, ele também parece que resolveu seguir a receita que a emissora vem adotando pelo menos nos últimos 5 anos. Os narradores da Globo não narram a corrida. Ficam conversando, debatendo, fazendo piadinhas, e quando tem um lance bonito, como Verstappen passando Ericsson, por exemplo, aí o narrador apenas exclama: “ó, o Verstappen passou.”.

Mas o que é narrar uma corrida? Aliás, o que é narrar qualquer modalidade esportiva? Bem, não há segredo: narrar é transmitir a emoção, traduzir em palavras aquilo que o telespectador está sentindo ao ver dois carros disputando uma posição, tocando rodas. Uma ultrapassagem é o momento máximo de uma corrida, uma demonstração clara da habilidade de um piloto em atacar, enquanto o outro defende aquilo que conquistou. É, enfim, um momento que pede um relato diferenciado da equipe de transmissão.

Vamos aos exemplos:



Veja que há uma briga linda entre Rubinho e Alesi, e Galvão Bueno capta este momento com inteligência, mostrando ao espectador que o que ele está vendo é realmente uma briga aberta entre dois pilotos, momento sublime de qualquer corrida.

Há também o exemplo abaixo, com o mesmo Rubinho. Veja que o narrador é pego de surpresa pela imagem, mas opta por narrar o lance, ao invés de falar: “olha, o Rubinho passou, que beleza”, que é o que fazem hoje.



Num exemplo mais recente, temos uma briga entre Felipe Massa e Bruno Senna, quando Massa fez a mais bela ultrapassagem de 2012, em Cingapura. A narração é do mesmo Galvão Bueno, mas o comportamento é outro:



Viu a diferença? Nos lances anteriores, Galvão efetivamente fez o que um narrador deve fazer, conseguiu transmitir a emoção do lance. Na ultrapassem de Massa ele opta, sem alterar o tom de voz, em contar o que já estamos vendo, sem acrescentar nenhum elemento diferente, como nas manobras de Rubinho contra Mansell e Alesi.

Seria uma nova linha editorial, preguiça ou desinteresse mesmo? Não sei, mas que ajuda a tornar tudo mais chato, ajuda. No último GP da China, a geração de imagens se esforçou para mostrar as brigas no pelotão intermediário, já que nada acontecia na frente, mas nada disso foi aproveitado por Cléber Machado.

Aí não tem cristão que se mantenha acordado mesmo.

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